terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

VILA MOISÉS: 1º ANO



Há um ano, foi preparado e executado um massacre na Vila Moisés, no bairro do Cabula, em Salvador. Há um ano, 13 vidas foram interrompidas, porque a Rondesp escolheu qual era a hora de estar em casa e qual era a hora de morrer por estar na rua. Dezenas de tiros foram deflagrados na madrugada do dia 06 de fevereiro de 2015, ossos foram quebrados com uma raiva que não se devia existir, roupas, chinelos, fones de ouvido, foram deixados e trocados por roupas de camuflagem.
O crime? No máximo ser vítima do tráfico que os tornou usuários. O motivo? Vingança por um fato ocorrido 15 dias antes com outras pessoas, onde duas pessoas morreram e um PM ficou ferido. Era véspera de carnaval. Eles também tinham que cobrar sua parte. Aconteceram mais três execuções no mesmo fim de semana.


Na segunda-feira, dia 09, vários seguimentos de movimentos sociais se reuniram para discutir os acontecidos e gerar uma agenda de protestos. Na terça, estávamos no Centro Administrativo, cobrando uma reunião e posicionamento do secretário dos direitos humanos do estado. Esperamos por 5h, até sermos atendidos. Entrar naquela sala e ouvir que nada poderia ser dito contrário ao que o governador disse, porque ele era o governador e o secretário, seu "funcionário", mostrou-me mais uma face da política de compadres que vivemos, onde os companheiros apenas têm cargos diferentes, mas a função é a mesma: defender o governo. Avisamos que faríamos um protesto no local e que a polícia não nos impedisse.

Após ouvir que estávamos sozinhos na defesa à vida, tive certeza de que a Pastoral da Juventude de Salvador, organização que faço parte, deveria se pronunciar à população. A carta aberta da PJ foi construída no mesmo dia. No dia seguinte, foi publicada no site da Arquidiocese e retirada 24h depois. Até hoje não recebemos uma justificativa satisfatória sobre o porquê dessa retirada. A carta está disponível neste link: http://goo.gl/r6zMFe

Mas voltando ao ato, naquela quarta-feira, em muitos anos, eu coloquei os pés pra fora de casa com o medo de não voltar. Sabia que o dia seria tenso e cheio de lições que levaria por toda vida, ou por toda morte.

O medo não era de encontrar um "bandido" por aí e perder a vida. O medo era de ser impedido, por balas policiais, de defender o direito à vida.

Eu sabia que estava indo para o centro do vespeiro, mexer com o psicológico de quem está legalizado para matar, com o aval do seu comandante.

Mas, ao mesmo tempo que o medo tomava-me, questionava-me o que me faria melhor do que os jovens? Quão mais valiosa é minha vida, do que as daqueles pequeninos?
Enquanto o medo tomava-me, a coragem de ser protagonista da mudança fazia minha mente empurrar minhas pernas para o centro do meu medo.

Encontramo-nos, caminhamos em direção àquele lugar que guardarei no coração, e em minhas orações para sempre.


Gritamos, na frente dos covardes, que eles são racistas, que queremos o fim do seu jeito de trabalhar, gritamos por justiça. "Povo negro unido, povo negro forte; que não teme a luta, que não teme a morte". Eu não sabia se tinha o direito de cantar essa palavra de ordem, porque sabia que estava com medo, mas também tinha coragem para continuar andando.

Chegamos à entrada da comunidade, onde aconteceu a chacina. O previsto era que ficaríamos ali, na entrada. Mas durante o ato, como muitos moradores estavam conosco, seria melhor ir com eles, para garantir a sua segurança, já que a polícia ameaçava a todos. Além disso, havia representantes da Anistia internacional, da OAB e também a imprensa conosco.



Mais uma vez tive medo. Medo de entrar na periferia da periferia, onde Jesus teria caminhado, abraçado as pessoas e com elas permanecido. Puxado por meus amigos e pelo sentimento de que não podia protestar pela metade, entrei na comunidade.

Descemos uma escada e uma ladeira. Se eu achava que conhecia a periferia, entrar por aqueles becos mudou meu pensamento.

Muitas pessoas olhavam de suas portas, muitos nos acompanharam a partir dali.
Passamos por um campo pequeno de barro e continuamos a andar. Mais becos à frente. Eis que no meio das casas simples, surge uma praça, praça da alegria. Muito linda, com chuveiros, toda com piso, com espelhos, com brinquedos, construída pelos moradores. Um verdadeiro tesouro, construíram ali. Caminhamos mais e subimos outro beco e uma escada.

Assim que saímos, numa rua mais larga, encontramos o terreno onde aconteceram os assassinatos.
Em roda, no canto onde os jovens caíram, colocamos as cruzes, as coroas de flores e os cartazes que levamos. Então, começamos a encontrar evidências da chacina. Primeiro, uma capsula de bala, depois roupas, chinelos, carregador de celular, fone. Tudo ali. Não tiveram o trabalho de limpar o que fizeram. Como alguém troca tiro com a polícia e também troca de roupa? Por que as sandálias estavam juntas? Capsulas de bala lá. Luvas que usaram para manipular os corpos.

Tudo lá, 5 dias depois. Imaginem como aquela comunidade acordou, na sexta-feira.




Muitos dos moradores estavam naquele terreno pela primeira vez, desde o ocorrido. Não tinham coragem de olhar para ele. E como no gesto de lembrar os mártires da caminhada, os nomes dos 13 foram sendo gritados, enquanto respondíamos "presente". Impossível acreditar que morreram porque queriam matar policiais, ou roubar um banco.

Os adolescentes que lá estavam, sabiam que escaparam por pouco e que estão na lista. Não aguentaram falar os nomes sem chorar, alguns choraram abraçados a uma camisa achada lá. Alguns adultos se desesperaram, ao lembrar.

No fim do ato, rezamos pelas vítimas. Enquanto a comunidade rezava, eu pensava: a quem, além de Deus, essas pessoas podem recorrer, se o estado declarou guerra contra elas? Como podemos colocar vendas nos olhos e seguir a vida? O choro e a reza daquela comunidade mudaram minha vida e elevaram meu conceito de evangelho.

As perícias indicaram que os corpos tinham sinais de execução. Três meses após os fatos, o Ministério Público da Bahia denunciou 9 policiais militares por planejarem a chacina por vingança. São eles: o subtenente Júlio César Lopes Pitta, identificado pelo MP como o mentor da chacina, assim como os soldados Robemar Campos de Oliveira, Antônio Correia Mendes, Sandoval Soares Silva, Marcelo Pereira dos Santos, Lázaro Alexandre Pereira de Andrade, Isac Eber Costa Carvalho de Jesus e Lucio Ferreira de Jesus e o sargento Dick Rocha de Jesus.

Nos dias anteriores à ação, os policiais teriam monitorado o local para conseguir mais informações. Na noite da chacina, os nove PMs chegaram no local em duas viaturas com o GPS desligado. De acordo com a denúncia do Ministério Público, os soldados Robemar, Correia, Sandoval, Pereira, Lazaro e Pitta se esconderam em um matagal na Travessa Florestal, nas proximidades de um terreno baldio.

Ao mesmo tempo, o sargento Dick e os soldados Isac e Lucio acuaram e perseguiram com uma viatura diversos jovens, armando uma emboscada. A única rota de fuga possível, segundo o Ministério Público, seria pelo matagal onde os seis PMs estavam esperando.

Ao chegar no terreno baldio, em fuga, as vítimas foram baleadas por rajadas de metralhadoras efetuadas pelos militares Pitta, Robemar, Correia, Sandoval, Pereira e Lazaro. Os outros três PMs chegaram e também começaram a disparar contra as vítimas que tentavam fugir.

O sargento Dick foi atingido por um disparo de raspão, na cabeça, neste momento. Os nove policiais teriam permanecido no local por quase duas horas, executando com tiros espaçados as vítimas feridas que estavam no matagal.

Ao todo, os rapazes que sobreviveram ao atentado e as vítimas fatais foram atingidos por 88 disparos de arma de fogo. Segundo o MP, os ferimentos deles indicavam que tentaram se defender - quase todos apresentavam ferimentos nos braços. Entre eles, somente um - Luis Alberto - respondia na Justiça por posse de maconha.

O juiz Vilebaldo José de Freitas Pereira aceitou a denúncia do MP, abrindo processo contra os 9 PMs. Mas no dia 24 de Julho de 2015, a juíza Marivalda Almeida Moutinho, que substituía o magistrado responsável pelo processo, da 2ª Vara do Júri, que estava de férias, absolveu todos os envolvidos com base nos autos do processo que teve acesso, ignorando todos os fatos apresentados pelas perícias independentes e pelo Ministério Público da Bahia.

Mais uma vez, a militarização da força policial mostrou porquê deve ser extinta: acredita que está e age por cima da lei.

Que as almas de Evson Pereira dos Santos, 27 anos, Ricardo Vilas Boas Silva, 27, Jeferson Pereira dos Santos, 22, João Luis Pereira Rodrigues, 21, Adriano de Souza Guimarães, 21, Vitor Amorim de Araujo, 19, Agenor Vitalino dos Santos Neto, 19, Bruno Pires do Nascimento, 19, Tiago Gomes das Virgens, 18, Natanael de Jesus Costa, 17, Rodrigo Martins de Oliveira, 17, e Caique Bastos dos Santos, 16 anos, não tenham partido em vão.





Fontes: 

3 comentários:

  1. Kkkkkkkkkkk
    Jovens?!?! Inocentes?!?!
    Ja protestou na porta do traficante que aliciou eles ou vai continuar chutando cachorro morto?!?!
    Convenhamos "amigo" nenhum ali vale a minha vida pois ela depende de escolhas e eles fizeram a deles.

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    1. Já pensou se Jesus pensasse o mesmo de você? Nenhum deles vale a minha vida...

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  2. Eles mereciam uma segunda chance?!?!?
    Vai lá e dê uma segunda chance para os pais de família que eles e muitos outros assassinaram e assasinam

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