segunda-feira, 15 de agosto de 2016

A autoridade perdeu o juízo



Faz algum tempo que os novos tempos chegaram e, com eles, muitos paradigmas começaram a mudar. A ideia de mundo líquido do Filósofo Zygmunt Bauman faz-se presente em quase todas as relações interpessoais. "Não há mais conceitos sólidos. A pós-modernidade é vivida ignorando as divisões, com formas diferentes, ocupando espaços e diluindo certezas, crenças e práticas."(1)

Hoje, numa sala de aula, os alunos podem acessar mais informações com seus celulares, do que o professor pode "puxar" na mente para responder questionamentos. Antes mesmo de o gerente de uma loja vir resolver questões, o consumidor já pode encontrar na internet várias pessoas lesadas da mesma forma, inclusive qual artigo do Código de Defesa do Consumidor ajuda-lhe. Populares impedidos de manifestar-se podem questionar à Polícia imediatamente sobre direitos fundamentais garantidos na Constituição. Fiéis das mais variadas Religiões e Igrejas ressignificam a ideia de Amor. Pela primeira vez na história, são os jovens que dominam a informação, e não os mais velhos. A tecnologia trouxe avanços e crise. Como sairemos dela?

Desde a metade do século 20, o Brasil foi apontado como país do futuro várias vezes. A última em 2009, quando a The Economist nos colocou em sua capa. Agora, nas Olimpíadas, todos fazem questão de lembrar: "Quando o Brasil foi escolhido, vivíamos outro momento, éramos o futuro. Não somos mais." Interessante como o mundo líquido é muito mais líquido quando o assunto é colocar um país em desenvolvimento no seu lugar. O mercado financeiro exalta e derruba quem ele quer, rapidamente, mas para que isso aconteça é preciso que o país esteja com crise de autoridade.

Com tamanhas mudanças, não há mais espaço para relações verticais. Não existe mais detentor de inteligência e receptor de informações inerte, como determina o "Programa Escola Sem Partido", que evoca conceitos Durkhenianos para justificar seus absurdos. Quem o propõe, deixa óbvio que não está sabendo lidar com esse mundo. É por isso que preferem defender a psicologia da educação do início do século 20, onde os professores são detentores de todo o conteúdo e os estudantes apenas receptores. No fundo, a classe política perdeu a autoridade e não têm a mínima ideia de onde recuperá-la.

Como o professor historiador Leandro Karnal lembra sempre: não podemos confundir o fim do mundo com o fim de um mundo. O mundo que existia na década de 1990 quase não existe mais. Há muita diferença. A título de comparação, continua Karnal, se um homem dormisse no Século 13 e acordasse cem anos depois, quase nada estaria diferente, ele conseguiria se comunicar e usar as ferramentas. Por outro lado, alguém que dormisse na década de 1980 e acordasse em 2016, não conseguiria se comunicar, pois até a linguagem mudou bastante. Sem falar das ferramentas tecnológicas. O mundo do homem de 1980 já acabou.

Assim, talvez a "categoria" que mais sofra com o turbilhão de mundos que surgem e passam cada vez mais rápidos, é a das autoridades. Autoridades políticas, sociais, militares, comunitárias, etc. O que antes era admitido como verdade absoluta, pode não ser mais tolerável numa simples discussão. Argumentos do tipo "sempre foi assim" caíram no limbo. É sabido que há tradições milenares que ainda fazem sentido. E, obviamente, não é possível dizer que tudo morreu, porém a convivência e a maneira como as relações se dão, mudam constantemente.

As relações, agora, não admitem verticalidade. O que é imposto "de cima pra baixo" não é mais saudável aos nossos tempos. Por isso, há uma crise muito grande de referências. Em quem vamos confiar? Quem pode falar por nós? Quem de fato nos representa? As atuais autoridades viveram um mundo que não existe mais. Cresceram numa época em que os adultos tinham toda a razão e hoje são adultos na época em que os jovens têm a razão e o domínio das ferramentas. Houve a quebra de um paradigma imenso.

Ao olhar para a realidade, inegavelmente perguntamo-nos de onde virá a solução. Quem tem o poder, ou a autoridade, de religar as pontas quebradas e restabelecer um curso "normal" para a história? A resposta é dolorida, mas óbvia: as autoridades.

Perdemo-nos no tempo, principalmente na tarefa de cumprir as nossas responsabilidades. Infelizmente, são os professores, os policiais, os políticos, os líderes estudantis, os líderes sindicais, religiosos, as mães e os pais, que não estão preparados para seus deveres.

Desde muito tempo, a juventude foi acusada com o jargão "No meu tempo não era assim, o jovem respeitava a moral e os bons costumes." Esse é o clássico sinal de que a pessoa perdeu-se no tempo e, pior ainda, não admite que seu mundo tenha ficado para trás. Fala-se mal dos jovens desde antes de Cristo.

Esse nosso mundo vai passar e provavelmente não temos mais o que fazer com ele. Mas como sair bem dessa crise? Como entregar aos próximos jovens um mundo, que sem dúvida será líquido, porém com gerações conectadas e cooperativas?

A chave está na horizontalidade das relações. Ser horizontal é preferir o círculo, onde todos contribuem com todos, segundo a sua habilidade. A horizontalidade depende da troca de experiências e do desejo de absorver conhecimento, independente de com quem seja. Isso tudo deve ser apreciado, mas sem perder a autoridade, porém nunca exaltar o autoritarismo. O autoritarismo é obediência cega, onde não há um único questionamento. É importante lembrar que a iniciativa deve ser da autoridade. Exercer autoridade horizontal requer respeito e companheirismo, escuta e debate saudável, vigilância das leis e perseverança.

Dessa forma, professores precisam conhecer as teorias da educação, policiais precisam conhecer seus estatutos, políticos precisam ser honestos, líderes estudantis precisam de ampla formação, líderes sindicais precisam garantir os direitos dos trabalhadores e pais e mães precisam aprender a educar seus filhos. Tudo isso, da forma mais circular possível, onde o diálogo supere os monólogos, onde garantias constitucionais e legais sejam respeitadas na sua totalidade, onde o todo seja beneficiado, em detrimento da manutenção do status quo, onde a essência coopere para com todos, onde não haja medo, mas respeito e aprendizado mútuos.

Um passo simples, porém significativo, é ouvir as outras pessoas sobre suas necessidades. E quando se está numa posição de autoridade, dar a oportunidade de que outras pessoas falem e tentar agir numa linha o mais próxima possível daquilo que é mais evidente e necessário, é essencial para que as relações não se quebrem. Em todas as esferas, o diálogo que resguarda os direitos fundamentais e as garantias constitucionais das pessoas, sempre será o melhor caminho. Pois enquanto o orgulho de cada um reivindicar seu nome na história, estaremos deixando o melhor dela correr por nossos dedos.

Citação (1): http://goo.gl/35F7CX

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