segunda-feira, 14 de março de 2016

Atos dos apócrifos



A gente que escreve sobre os acontecimentos e os sentimentos. A gente que consegue transformar as diversas sensações em palavras, fica muito angustiada ao observar essa realidade apresentada em rede nacional desde 2015.

É difícil ver os exageros, de todos os lados, e conseguir exprimir exatamente o que estamos sentindo, ou uma opinião bem argumentada. Até sabemos de qual lado devemos estar e quem realmente merece, ou apoia, nossas conquistas, nossos anseios. Mas há bombardeios de informações de tantas áreas diferentes, que um olhar cuidadoso e crítico é necessário, para que a verdade prevaleça.

Muitas postagens, feitas no calor da condenação, ou no anseio da defesa, foram produzidas com informações e até imagens fora de contexto. Essas postagens inundaram as redes sociais de todos e todas, fazendo um amontoado de opiniões irritarem qualquer pessoa, mesmo que concordasse com tudo o que apareceu em sua linha do tempo.

Ora, é óbvio que ninguém em sã consciência aprova a corrupção (principalmente quando é outra pessoa que faz o ato, e não nós). Como definiu muito bem o barão de Itararé, "A corrupção é o bom negócio para o qual não fui convidado." Infelizmente ainda está enraizado em nossa cultura o chamado "jeitinho brasileiro", que necessita ser desconstruído nas escolas para dar lugar a um verdadeiro sentimento de pertença à sociedade, mas como é tratado mais à frente, também precisamos garantir que todas as pessoas tenham direito a pertencer à sociedade.

Andar pelo acostamento, assinar lista de presença, ou folha de ponto, por outra pessoa, parar na vaga do idoso, colocar R$10,00 a menos no caixa da ONG, grupo, ou organização que fazemos parte, desviar centenas ou milhões de reais, essencialmente dá no mesmo: estamos utilizando o convite para fazer parte do negócio. Quem lida com milhares de reais acha que desviar R$90 por mês é muito pouco e não vai afetar ninguém. Quem direciona milhões, acredita que desviar R$10.000,00 é muito pouco. Quem libera bilhões por ano, pode pegar uns R$5.000.000,00 para alguns apartamentos que necessita muito comprar. Quem estuda, pode achar que levar um marcador de quadro branco, ou algumas folhas de ofício não vai mudar nada. Quem trabalha na administração pública pode oferecer-se para imprimir trabalhos, etc. que não têm a ver com suas obrigações trabalhistas. E por aí vai. O que precisamos constatar é que é muito, muito difícil dizer não quando o bom negócio parece viável, fácil de encobrir e que aparentemente não afetará ninguém. Afinal, “quem nunca foi corrupto que atire a primeira pedra.” – Mailson Pereira.

Porém, a grande diferença entre participar de um protesto de verdade e de uma montagem muito bem planejada juntamente com a mídia, é a quem (pessoa, ou instituição) o ato está atingindo e quais são os seus objetivos. É triste lembrar que, em Junho de 2013, chorei durante um dos atos, gritando “O Brasil acordou”, acreditando numa primavera brasileira, mas em 2014 políticos que criticaram os movimentos de 2013 na época, se elegeram usando o discurso de Reforma Política, ou mudança nacional, usando imagens das ocupações em Brasília. Resultado: sem querer, criamos um monstro que elegeu a Câmara e o Senado mais conservador – e menos representativo – da história. E é só observar quais projetos de Leis, quais emendas constitucionais estão sendo votados. As fotos daquele Junho não negaram que havia mais de 1 milhão de pessoas em São Paulo, 150 mil em Salvador e milhares de outras em muitas cidades, dispostas a construir um país mais justo.

No melhor português que podemos descrever, fomos massacrados nos protestos de 2013. Os Governadores, apoiadores do Governo Federal, ou não, como coronéis do início do século passado, convocaram suas Polícias para combaterem tais atos com bombas, balas de borracha, spray de pimenta e, no caso de Salvador, até arma letal. Durante quase duas semanas, qualquer estouro assustava-me. E foi uma emboscada, muito bem planejada pela Polícia, que formou um cordão de isolamento no perímetro menor, esperou os manifestantes pacificamente sentarem no chão e começaram o massacre.

Mas voltando ao tipo de protesto, é legítimo sim protestar contra qualquer tipo de governo democrático, ou no nosso caso, contra um único partido que detém 17% da Câmara Federal e 16% do Senado, ou se falarmos dos blocos políticos, contra 46% da Câmara e 47% do Senado, considerando que o PMDB não apoia mais o governo, como foi amplamente divulgado após sua convenção nacional.

Porém é um grande erro aceitar que as pautas de um movimento sejam tão simplistas. Um protesto – caminhada, num domingo, em local turístico, ou pouco movimentado, é o primeiro sinal de que não tem como objetivo lutar por questões sociais amplas. Alguém viu um cartaz sobre educação? Melhores salários? Menos horas semanais de trabalho, condições mais dignas de trabalho, mais investimentos na saúde, transporte público, etc.? Bom, é só perceber que a maioria dessas pessoas é quem paga salários, é quem considera o salário mínimo muito alto, quem nunca pôs os pés num hospital público, muito menos numa escola pública. Não há outra luta, senão a punição ao PT e aos partidos de Esquerda, mesmos os que nunca tiveram uma única pessoa filiada acusada de crime.

Não nos enganemos! Todas as vezes que passa um problema do SUS, da escola pública, da segurança pública, do lazer, moradia, etc. e esses jornais criticam o governo, porque não presta os serviços com a qualidade necessária para atender a todos, eles não estão defendendo que o Governo melhore os serviços. O que defendem é o fim desses serviços para que todos e todas paguem por tudo que utilizar. Assim, eles, que têm dinheiro, poderão usar os serviços sem demora, quando quiserem, sem que haja um pobre na frente, porque chegou antes.

As manifestações das ruas, hoje, foram orquestradas há muito tempo, buscando deslegitimar qualquer passo do país em direção à diminuição das desigualdades. Querem derrubar um único partido, ou um único bloco de partidos, em vista da ascensão novamente dos partidos que governaram o país durante quase todo o século XX, que são herdeiros dos senhores donos de Capitanias, sic, Hereditárias e de famílias abastadas.

Por mais que milhares de pessoas tenham ido às ruas conscientes de que são contra qualquer tipo de corrupção e buscam mudar seus próprios atos corruptos, ou corruptíveis, a forma como a mídia se apropria do movimento e como o povo das ruas reage a isso, dá a ela um poder incontrolável. E o modo como foi veiculado, sendo 90% das imagens contra um único partido e contra a Presidente e 10% das matérias sobre a corrupção dos outros partidos (como a expulsão de Aécio Neves e Alckmin da manifestação e a bandeira contra Eduardo Cunha), o perigo da tomada de discurso dessas emissoras é iminente.

Volto a salientar que os passos dados pelos governos Petistas não contemplam integralmente o povo que tenho a obrigação de defender: os pobres. Nada de reforma agrária, nada de reforma tributária, quase nada de reforma política, reforma do código penal esquecida. Muitos avanços são evidentes na educação, no combate à fome (inimaginavelmente ignorado pela mídia), no campo, etc., mas não foram suficientes. O alinhamento do PT às pautas de centro-direita, como ao barrar a auditoria da dívida pública e não forçar a tributação de grandes fortunas além do alinhamento com o PMDB, que é o partido que tem o vice-presidente da República, o presidente do Senado e o presidente da Câmara, mostram que o seu projeto de governo tenta diminuir o mínimo possível do que é dado às classes mais altas, enquanto fatia o pequeno pedaço do bolo entre os mais pobres.

O PMDB é o partido que sempre escolhe apoiar os dois lados, ou quem muito provavelmente ganhará qualquer eleição. Seu maior filiado, José Sarney, tornou-se o político com maior tempo ininterrupto no poder da história do Brasil, com 60 de mandatos seguidos, desde o apoio à ditadura até aliar-se ao PT. É indispensável, ao pensar sobre política brasileira, traçar um olhar para os movimentos do PMDB. E a última carta da manga do partido mostrou-se provavelmente um ultimato à Presidente Dilma e ao PT, sobre o que virá em 2018.

Já presenciamos 502 anos de corrupção que nunca culminou com um único político sequer condenado durante seu mandato. Nos últimos 28 anos, mais de 500 pessoas responderam a ações sobre corrupção no STF. Apenas 16 corruptos foram condenados e somente um continua preso. Nos últimos 28 anos, apenas 16 políticos realmente cometeram o crime de corrupção?

A indignação seletiva mostrou mais uma vez a sua face, ou seria black face? Teve de tudo. Novos heróis nacionais, gritos machistas e manifestações racistas. Parte dos verde e amarelo seguraram a mão no discurso fascista. Parte manteve a tradição e mandou a selfie com a Tropa de Choque da PM. Aécio e Alckmin foram vaiados na marcha que eles mesmos convocaram. Marta também! Já Bolsonaro foi ovacionado na Capital Federal. A oposição assimilou um jeito de contar gente em marcha que antes repudiava - um número da PM, um número da imprensa, um número da organização. Babás negras empurravam o carrinho do casal enquanto eles marchavam. Na capital paulista, Black face de mendigo enforcado foi piada. No Rio de Janeiro negros foram chamados de infiltrados e expulsos da marcha com a ajuda da Polícia Militar. Em São Paulo foram os homossexuais. A genialidade de São Paulo chegou ao ponto de se contratar seguranças que tinham como único e exclusivo fim a proteção e integridade de um boneco inflável visado, o tal do Pixuleco. E para garantir a cota social nas ruas, o Habib’s resolveu munir coxinha. 6 esfirras garantiram a barriga cheia, enquanto a bandeira a performance das marionetes.

Sobre cantar o hino na manifestação: que Brasil foi entregue aos operários, lavradores e aos indígenas e negros escravizados? Por quase 400 anos, os negros e os pardos não tiveram pátria, os indígenas até hoje morrem lutando para ter sua "pátria" de volta. Vale a pena perguntar: Pátria amada por quem e, principalmente, pátria de quem? Pátria para quem? Que esses não cobrem o "orgulho de ser brasileiro" àqueles, mas sim que deem a oportunidade de serem tratados como seres humanos. Eu já estive na rua, sei o que é protestar e exatamente por isso não estarei em nenhum movimento parecido com o que houve hoje.

Salvador não foi a resistência às invasões portuguesas e holandesas, para comportar ricos e brancos nas ruas pedindo "fora" a um único partido e nada à sociedade. Não sobrevivemos ao ataque do próprio Exército brasileiro, em 1912, à toa. Não expulsamos os portugueses definitivamente em 1823, para ver os defensores da ditadura desfilarem em pleno século XXI. Salvador não é a cidade com mais negros fora do continente africano, a cidade de todas as crenças e de todos os santos, para a elite querer impor seus interesses sobre as outras 3 milhões de pessoas que aqui residem. 

Em 2003, 700 mil estudantes, a grande maioria da escola pública, protestava sobre o aumento da passagem de ônibus. Esse dia é de orgulho para nossa história. Junho de 2013, 7 vezes maior do que hoje, 150 mil pessoas desceram do Campo Grande para a Fonte Nova e receberam gás, bala e spray, só porque o movimento possuía pautas concretas. Esse foi um dia de orgulho para nossa história. A Revolta dos Malês foi uma construção que nos dá orgulho. Quando a senzala se levanta contra a Casa de engenho, é que a verdadeira história está sendo feita.


"A cultura e o folclore são meus
Mas os livros foi você quem escreveu
Quem garante que palmares se entregou
Quem garante que Zumbi você matou
Perseguidos sem direitos nem escolas
Como podiam registrar as suas glórias
Nossa memória foi contada por vocês
E é julgada verdadeira como a própria lei
Por isso temos registrados em toda história
Uma mísera parte de nossas vitórias" - Natiruts. 



"Que venham me calar...
Eu não calarei!

A saliva que circula em minha boca
Lançarei na face do que julga com crueza
Aqueles que não encontram 
Armas para sua defesa.

Calem a boca
Os que atacam,
Os que matam!
Lavem a boca para falar dos que morrem!

Perigosos são os que destilam veneno 
Aos ouvidos desatentos,
Que balançam as cabeças e dizem amém!

Eu não vou abrir mão da utopia,
Não me cabe a tua mais-valia
Que tudo corrompe
E tudo detém!
Eu acredito na paz...
Não me venham com guerra!
Que se unam os lares,
Que se faça a divisão igual da terra!

Enquanto o homem dominar o homem 
E for fatalismo o discurso reproduzido,
Quanto a vida valerá?
Até quando este neoliberalismo nos aniquilará?

Liberdade, de verdade!
Liberdade, eu vou gritar!
Unir minhas mãos,
Repartir o pão, o chão
E Você, então, virá." - Camila Paula

Fontes:
http://goo.gl/zSBML
https://goo.gl/QM3iUF

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