domingo, 11 de maio de 2014

A mudança do símbolo


  • Antes de iniciar, preciso falar de dois conceitos: A criação e o livre arbítrio. O primeiro remete-se à universalidade e à unidade de todas as coisas: tudo que é "bom" veio de Deus e faz parte de Deus. O segundo é a liberdade de escolher entre ser parte de Deus e não ser: o livre arbítrio. Também devo falar que a "mudança" não foi uma troca dos princípios, nem de valores; mas sim um agregar de novos valores e o pensar em meios de garantir a ação de acordo com os princípios.


Venho de uma formação catequética e um amadurecimento da minha práxis teológica enraizados nas CEBs - Comunidades Eclesiais de Base - mas, sem um acompanhamento adequado para além do catolicismo mediático, também fui formado, se assim posso dizer, em movimentos neo-pentecostais. Daí pude provar de um leque de pensamentos religiosos, que enfim me fizeram entender a conjuntura e escolher o que ser e saber o que sou.

Para qualquer ser humano, mostrar seus pensamentos, suas crenças, seja por palavras, ou objetos, é fundamental, pois sempre buscamos formar grupos e estar em grupos de pessoas que pensem igual a nós. Assim também, um católico muitas vezes sente a necessidade de mostrar-se como tal. Eu sou assim. Preciso que as pessoas saibam quem sou e não tenho vergonha de mostrar meus pensamentos. Por isso, durante a minha formação fui acumulando símbolos que me identificam como cristão e católico. Gosto muito de todos os meus crucifixos, mas preferia os maiores. Na verdade, quanto maior, eu gostava mais. Era a ideia de tentar passar para as pessoas, que me encontravam, a mensagem do evangelho.

O crucifixo significa, para nós católicos, a vida vencendo a morte, mas também o perdão de todos os nossos pecados, porque Cristo morreu por nós, para nos salvar. Não há como escapar desse acontecimento. Ele veio para que todos tenham vida e vida em abundância.

Mas, para além da promessa de salvação, existe a livre escolha. E, temos certeza: ninguém escolhe ser injustiçado. "Bem-aventurados os que têm sede de justiça, porque serão saciados", disse o Mestre. Enquanto cristãos, temos a obrigação de promover a justiça em prol daqueles que a anseiam, mas não têm como experimentá-la.

Eis a grande diferença da teologia da libertação: nós não falamos apenas na criação, no direito de todos em serem salvos, mas também buscamos garantir que suas escolhas sejam respeitadas.

Há alguns meses, não uso o crucifixo. Não que eu tenha desacreditado da salvação, mas porque ela faz parte da criação. Na verdade, hoje uso com um colar que tem o rosto de Che Guevara esculpido num pedaço de madeira.

Essa mudança acontece a partir do meu entendimento de que a prática da justiça é a confirmação da promessa de Deus. A salvação está disponível. A justiça é possível de acontecer. Os ideais de Che, os ideais de justiça para com o povo oprimido é uma causa primordial para o evangelho e à teologia da libertação. Pelo que Jesus morreu, temos o direito. Pelo que Che lutou, temos responsabilidade, se escolhemos fazer valer nosso direito de salvação. Conheço os erros de Che, mais estou falando dos seus ideais.

"Sobre a cruz, carregou nossos pecados em seu próprio corpo, a fim de que, mortos para os pecados, vivamos para a justiça. Por suas feridas fomos curados." - 1Pd 2, 24.

Para terminar, deixo com vocês a poesia de Dom Pedro Casaldáliga, sobre o Che:

"E, por fim, me chamou também tua morte
desde a seca luz de Vallegrande.
Eu, Che, prossigo crendo
na violência do Amor: tu próprio
dizias que “é preciso endurecer-se
sem perder nunca a ternura”.

Mas tu me chamaste. Também tu.
(Os temas compartilhados, dolorosos.
Os múltiplos olhares moribundos.
A inerte compaixão exasperante.
As sábias soluções à distância...
América. Os pobres. Esse Terceiro Mundo,
quando não há mais que um mundo,
de Deus e dos homens!)

Escuto, no transístor, como te canta
a juventude rebelde,
enquanto o Araguaia pulsa a meus pés, como uma artéria viva,
transido pela lua quase cheia.
Apaga-se toda luz. E é só noite.
Rodeiam-me os amigos distantes, vindouros.
(“Pelo menos tua ausência é bem real”,
geme outra canção... Oh! a Presença
em Quem eu creio, Che,
a Quem eu vivo,
em Quem espero apaixonadamente!
... A estas horas tu sabes bastante
de encontros e respostas.)

Descansa em paz. E aguarda, já seguro,
com o peito curado
da asma do cansaço;
limpo de ódio o olhar agonizante;
sem mais armas, amigo,
que a espada despida de tua morte.
(Morrer sempre é vencer
desde que um dia
Alguém morreu por todos, como todos,
matado, como muitos...)

Nem os “bons” - de um lado –,
nem os “maus” - do outro –,
entenderão meu canto.
Dirão que sou apenas um poeta.
Pensarão que a moda me ganhou.
Recordarão que sou um padre “novo”.
Nada disso me importa!
Somos amigos
e falo contigo agora
através da morte que nos une;
estendendo-te um ramo de esperança,
todo um bosque florido
de ibero-americanos jacarandás perenes,
querido Che Guevara!"

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