domingo, 29 de setembro de 2013

Os Profetas e a Pobreza


Você viu e vê a fé que leva ao sucesso. Não passa dia sem que não veja. Está nos templos cheios; na mídia, em espaços comprados a peso de ouro; nas ruas e avenidas, em concentrações e marchas o enorme e estrondoso apelo que vem com a pregação do sucesso e da “fé que acontece e faz acontecer!”

Não vê e não ouve quem não liga seus aparelhos! Os pregadores do Cristo glorioso e do bem estar do Reino estão vencendo! Com nos tempos de Isaias e Amós, século VIII aC e Jeremias século 7, havia os profetas da denúncia e da renúncia e os profetas da conquista e da cooperação.

E disse-me o SENHOR: Os profetas profetizam falsamente no meu nome; nunca os enviei, nem lhes dei ordem, nem lhes falei; visão falsa, e adivinhação, e vaidade, e o engano do seu coração é o que eles vos profetizam. (Jeremias 14 : 14)

Tenho ouvido o que dizem aqueles profetas, profetizando mentiras em meu nome, dizendo: Sonhei, sonhei. (Jeremias 23 : 25)

Eis que eu sou contra os profetas, diz o SENHOR, que usam de sua própria linguagem, e dizem: Ele disse. (Jeremias 23 : 31)

Assim diz o SENHOR dos Exércitos: Não deis ouvidos às palavras dos profetas, que entre vós profetizam; fazem-vos desvanecer; falam da visão do seu coração, não da boca do SENHOR. (Jeremias 23 : 16)
E vós não deis ouvidos aos vossos profetas, e aos vossos adivinhos, e aos vossos sonhos, e aos vossos agoureiros, e aos vossos encantadores, que vos falam, dizendo: Não servireis ao rei de Babilônia. (Jeremias 27 : 9)

Dois tipos de profecia trocavam farpas. Uns a dizer que tudo daria certo e que Deus levaria o povo à vitória. Outros a dizer que a corrupção chegara aos templos, aos profetas e aos sacerdotes. O capitulo 23 de Jeremias é revelador. A religião em Betel, no reino de Israel ao norte, mancomunava com os poderosos e não tolerou Amós que denunciava aquele conluio. Em Jerusalém, ao sul, 100 anos depois Jeremias lança um repto contra os que tinham alugado sua profecia e transformado a fé em negócio pessoal. O versículo 30 mostra um Deus irado contra os profetas ladrões da palavra do Senhor. Faziam Deus dizer o que eles queriam dizer. Não era a Palavra de Deus que chegava ao povo, mas a palavra dos profetas que manipulavam a palavra de Deus.(Jr 23,25-27) Com esse tipo de conversa Jeremias não era nem poderia ser amado.

Lá como cá, um profeta não tem o direito de julgar o outro. Os dois tipos têm o direito de expor sua profecia que o tempo revelará se veio ou não veio do céu.

Talvez os profetas do bem estar e do sucesso estejam certos, talvez não! De vez em quando eles soltam indiretas contra os crentes de outra fé que “veneram a pobreza”! Que sejam também eles questionados sobre suas certezas! Números não provam uma eleição e o próprio Jesus deixa claro que curas, estupendos milagres, conversões em massa não dão ao pregador da fé em Cristo nenhuma garantia de que ele mesmo entrará no Reino dele. ( Mt 7,15-23)

A chave para este assunto de influenciar o povo, possuir mais e obter sucesso pessoal e financeiro está em Mt 25,13-46. Lá, Jesus elogia os empreendedores que puseram seus dons para render frutos para o Reino e alerta que tipo de empreendimento dá direito a um lugar ao lado dele: o daquele que destina aos outros o que conseguiu e não comete a loucura e acumular suas conquistas em favor de si mesmo.(Mt 13,22; Lc 18,24) E indo mais longe, Jesus ameaça com castigo maior o que usa da religião para proveito pessoal, devorando as casas das viúvas a pretexto de longas orações( Mc 12,40)

Os que mostram Jesus ainda na cruz, ou escondido no sacrário, ou a propor ao jovem rico que venda seus bens, dê aos pobres e o siga; (Lc 18,22) os que apontam para o Jesus que mostrava a pobreza assumida pelos nascidos pobres e pelos nascidos ricos como um valor do Reino… estes perderam pontos e companheiros.

Se uma igreja me mostra que Jesus quer que eu ocupe os primeiros lugares e obtenha sucesso financeiro, é claro que entre orar nove dias em memória do rico Francisco de Assis que escolheu ser pobre e participar de correntes para obter sucesso financeiro, a maioria vai às correntes de orações pela prosperidade da sua família! No dizer de um dos pregadores dessa visão: “ Eles são crentes, mas não são bobos”. Os bobos seríamos nós que ainda citamos as passagens do Antigo e do Novo Testamento em favor do desprendimento e da pobreza como valores que santificam.

Entendo que os colegas pregadores da fé cristã e defensores da riqueza abençoada, inteligentes e bem articulados que são, defendam seu ponto de vista com biografias e citações. Sua pregação é um enorme outdoor colocado no caminho do fiel que deseja sair do sofrimento e da pobreza. Estampa pessoas alegres e de sucesso a dizer: -“Eu era enfermo, pobre e infeliz, mas encontrei Jesus e ele me libertou. Hoje tenho mais do que pedi e consigo tudo o que peço. Venha conhecer o Jesus que eu conheço”.

A fé para eles incide em cada célula do viver. Por que, então, negar ao crente o direito ao mais? Por que dissociar a fé do lucro e da conta bancária? Se se pode fazer amigos no Reino e para o Reino com as riquezas adquiridas, por que não tê-las? (Lc 16,9) Ao pregador amigo que citava, entre mais de vinte, também esta passagem lembrei-lhe que na minha Bíblia havia um adendo à palavra “riquezas”. Jesus teria dito “riquezas da injustiça” … Citei também mais de vinte passagens em favor de uma vida centrada no suficiente e no bastante: “riqueza moderada e pobreza digna!” Salomão começou pedindo luzes. Não pediu riquezas ( ). Mas terminou seu dias nadando em ouro, um precursor bíblico do tio Patinhas e… adorando os deuses de suas concubinas… Todo aquele sucesso financeiro não o fez mais adorador e mais sábio. O personagem bíblico mais abençoado com riquezas não serve de modelo a nenhum cristão. Nem Gedeão que ficou rico agredindo outros povos e outras religiões. Terminou seus dias amargando a morte de setenta filhos, assassinados por um deles. Ele que associara a fé com vitórias, campanhas bélicas e vitórias de seu aguerrido grupo, perdeu-se no caminho das vitórias. O crente e combativo Gedeão que como um impiedoso rolo compressor esmagara os inimigos de seu povoe e de sua fé, usando e abusando do nome de Deus, terminou o seus dias pagando na própria carne e na própria casa todo o mal que fizera aos outros em nome da vitória de sua teologia! Está lá no livro dos Juízes em três pesados capítulos! Porque será que não mostra os erros dele, de Sansão e de outros brucutus da fé que sacrificaram os outros para chegar aonde chegaram? E porque não falam do excelente catequista e mártir Eleazar que deu a vida pelo seu povo e não tirou nenhuma? Já vi correntes de Gedeão e nunca vi correntes de Eleasar…

Entendo e concordo que a fé deve mesmo permear todas as células do viver e, pela mesma razão entendo que a fé deve regular o fluxo de riquezas no mundo, sobretudo na vida do “justo que viverá da fé”.(Rm 1, 17) Se é da fé que viverá o justo, o pregador e o profeta que ensina a Justiça do Reino aos outros (Mt 6.33) e se o Reino de Deus não visa comida, nem bebida , mas paz e alegria no Espirito Santo ( Rm 14,17); e se, ainda, em Lucas 6,20 e em a pobreza não é vista como defeito ou abandono de Deus, mas como valor que liberta a pessoa para o Reino, ( Mt 19,21) então temos uma grande polêmica a nos desafiar nos outdoors da estrada que leva ao Reino!

Tenho sobre a mesa cinco livros em defesa da riqueza abençoada. Mas tenho dezenas de outros em defesa da pobreza abençoada e assumida em função do Reino de Deus.

Percorro um por um os profetas e santos que eram ricos ou poderiam ser ricos e escolheram ser pobres. Moisés que fora criado na corte egípcia, Isaias que era membro da família real de Judá, Buda que veio da riqueza, Francisco e Clara de Assis, Thomás de Aquino, só para citar alguns, seguiram o caminho de Jesus e de Paulo. Trilharam a via do não confortável para confortar os outros.

Amós, Isaias, Jeremias e Paulo não procuravam a profecia. Ela veio ao encontro deles. Espernearam, mas entenderam. Não poderiam tirar nenhum proveito pessoal de sua missão. A descrição é de Paulo:
Contristados, mas sempre alegres; como pobres, mas enriquecendo a muitos; como nada tendo, e possuindo tudo. (II Coríntios 6 : 10)

Aos que tiravam vantagem e saiam da pobreza para a riqueza por conta da fé Jeremias, Isaias e Jesus lançaram duro repto. São de Jesus as sentenças em Mateus 23:

4 Pois atam fardos pesados e difíceis de suportar, e os põem aos ombros dos homens; eles, porém, nem com o dedo querem movê-los;

5 E fazem todas as obras a fim de serem vistos pelos homens; pois trazem largos filactérios, e alargam as franjas das suas vestes,

6 E amam os primeiros lugares nas ceias e as primeiras cadeiras nas sinagogas

14- Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que devorais as casas das viúvas, sob pretexto de prolongadas orações; por isso sofrereis mais rigoroso juízo.

15 Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que percorreis o mar e a terra para fazer um prosélito; e, depois de o terdes feito, o fazeis filho do inferno duas vezes mais do que vós.

Reflete Karen Amstrong no seu magistral livro : Uma História de Deus: que “os israelitas preferiam uma religião de observância ritual menos exigente no Templo de Jerusalém ou nos velhos cultos da fertilidade de Canaã”. E acentua: “Continua sendo assim. Apenas uma minoria segue a religião da compaixão; a maioria das pessoas religiosas contenta-se com a adoração na sinagoga, na igreja, no templo, na mesquita.

Oséias afirmava que Deus queria era hesed (amor) e não vítimas e holocaustos; queria daat ( ser conhecido; intimidade e diálogo). Jesus repete Amós em Mateus, ao dizer:

Ide, porém, e aprendei o que significa: Misericórdia quero, e não sacrifício. Porque eu não vim a chamar os justos, mas os pecadores, ao arrependimento. (Mateus 9, 13)

No tempo de Jesus a religião outra vez estava deteriorada porque os detentores da doutrina falavam uma coisa e viviam outra.

Na cadeira de Moisés estão assentados os escribas e fariseus.

3 Todas as coisas, pois, que vos disserem que observeis, observai-as e fazei-as; mas não procedais em conformidade com as suas obras, porque dizem e não fazem;

4 Pois atam fardos pesados e difíceis de suportar, e os põem aos ombros dos homens; eles, porém, nem com o dedo querem movê-los;

5 E fazem todas as obras a fim de serem vistos pelos homens; pois trazem largos filactérios, e alargam as franjas das suas vestes (Mt 23, 1-5)

Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que percorreis o mar e a terra para fazer um prosélito; e, depois de o terdes feito, o fazeis filho do inferno duas vezes mais do que vós. (Mateus 23 : 15)

Jesus não via zelo missionário em quem buscava recompensa por sua fé.

Quando, pois, deres esmola, não faças tocar trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam o seu galardão. (Mateus 6 : 2)

Quem fizesse algum bem não deveria divulgá-lo. Nem mesmo a mão esquerda deveria saber da caridade da mão direita.( Mt 6,3). Ninguém se exibisse orando ou dando esmola. (Mt 6,4-6). Se fossem elogiados por terem feito algum bem deveriam dizer que não fizeram nada mais do que seu dever. ( Lc 17,10) Deveriam fugir dos elogios.

Diante dos pregadores da fé que eram pobres a menos de dez anos e de repente passaram a ostentar grande riqueza, alegando que Deus lhes dera aqueles bens, quase que como recompensa por anunciá-lo; e diante dos outros que depois da profecia deixaram tudo e seguiram os caminho da fé; diante do pregador que enriqueceu e do que ficou mais pobre ou pobre permaneceu, o fiel que pensa sua fé terá que pesar os prós e os contras.

Ter o que, para que fim e a serviço de quem? Pegasse hoje pelas periferias e campos teria Jesus o que seus pregadores hoje têm? Que tipo de carro ele usaria? Como seria a casa onde moraria?

Podem ser especulações, mas se ele sugeriu que aprendêssemos com ele podemos tirar nossas conclusões
Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; e encontrareis descanso para as vossas almas. (Mateus 11 : 29)

Não leveis nem alforjes para o caminho, nem duas túnicas, nem alparcas, nem bordão; porque digno é o operário do seu alimento. (Mt 10,10)

Há qualquer coisa na pregação da teologia da prosperidade que não coaduna com os dizeres de Jesus. Nas parábolas, como na do homem que ficava cada dia mais próspero Jesus provoca os que acumulam riquezas contando a história de um próspero empreendedor que raciocinava :

Derrubarei os meus celeiros, e edificarei outros maiores, e ali recolherei todas as minhas novidades e os meus bens; e direi a minha alma: Alma, acumulaste muitos bens para muitos anos; descansa, come, bebe e folga. Mas Deus lhe disse: Louco! esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será? Assim é aquele que para si ajunta tesouros, e não é rico para com Deus. (Lc 12,18-21)

Experimente o leitor ouvir um inteligente pregador da teologia da prosperidade e um inteligente pregador da teologia da libertação. Ou leia dos livros: um em defesa da fé que cumula de bens e outro em defesa da fé que manda distribuí-los e ter o menos possível.

Verá páginas de citações bíblicas e testemunhos pró riqueza e pró pobreza voluntária. Depois pergunte-se se Jesus, Paulo, Thomás de Aquino, Francisco de Assis, Mahatma Ghandi tinham capacidade para ser ricos. E por que escolheram ser pobres? Finalmente interrogue-se: pregador da fé cristã pode tornar-se milionário? O histórico de suas reservas antes de começar a pregar e alguns anos depois revela o quê?

Quem tem maior chance de estar certo? Aquele cuja conta aumentou ou aquele cuja conta permaneceu no mesmo nível ou até diminuiu? Jesus diria o quê a este respeito?…

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